" SAUDADE "

" SAUDADE "
Saudade é amar um passado que ainda não passou, é recuar um presente que nos machuca, é não ver o futuro que nos convida. (Pablo Neruda)

domingo, 22 de abril de 2012

É CRUEL DAR ESPERANÇAS AO MORIBUNDO E AO SOLITÁRIO


Imagem de Surrealia

Deixa de me vir cutucar enquanto escrevo.
De me vir importunar com os teus gostos
E me dizer que o que escrevo é tão bonito.
Tu não me conheces, nem um esforço fizeste para me conhecer.
És como a maioria dos que pensam conhecer a vida
Que arranham apenas a superfície das águas de um rio
E se encantam com o brilho frio de um cristal.
Falas de solidão e abandono, mas que sabes?
Que sabes tu de solidão e abandono?
Se tens quem te espere em casa quando regressas ao fim do dia!
Ainda que não te fale, está lá e sente os teus passos, olha os teus gestos, ouve a tua voz lamuriosa.
Que sabes tu da solidão e do abandono?
Se soubesses o que é a solidão enlouquecias.
Chegar a casa todos os dias
E ter apenas paredes nuas, lisas e frias a te abraçar.
Teres apenas os teus ouvidos para escutar o som rumorejantes dos teus próprios passos,
Quadros pendurados nas paredes a seguirem-te com olhos vazios esses teus gestos,
Quadros que pintaste e de quem, um a um, te foste despedindo para comeres,
Como quem come os amigos ou os filhos para viver mais um dia!
Que sabes tu da agonia de anos à espera de um dia diferente?
De encheres uma casa de adornos e sonhos e vê-los a partir enquanto os sonhos envelheceram e morreram contigo nessa eterna solidão herdada por desfeito e embuste?
Que sabes tu do sabor amargo do abandono?
Conheces por acaso o que é o silêncio de palavras que não se dizem nem se escrevem e que se aguardam por anos infinitos?
E os olhos de estranhos que te fitam e perscrutam enquanto caminhas só na noite, errante pelas ruas?
Que sabes tu da solidão e do abandono se nunca estiveste em mim, neste corpo que envelheceu precocemente, que amou sem ser amado que olhou sem ser visto e que um dia foi abandonado para morrer só e triste?
Deixa de me vir cutucar enquanto escrevo.
De me vir importunar com os teus gostos
E de me dizer que o que escrevo é tão bonito.
Tu não me conheces, nunca conheceste nem quiseste conhecer.
Sentiste inveja da pretensa liberdade que em mim imaginaste, ou da luz que depreendes ilumina a minha fronte.
Não é livre quem vive na solidão e no abandono, nenhuma luz me incendeia a fronte.
É escuridão o que me veste e nas minhas mãos mil grilhões me prendem ao vazio dos dias sempre iguais.
Não voltes a cirandar nos meus caminhos,
Se não tens intenção de neles me acompanhar.
É cruel dar esperanças ao moribundo e ao solitário,
A esses não dês nunca falsas esperanças pois é o mesmo que os matar!


Noélia de Santa Rosa

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